Saímos de casa de Bina (bicicleta). Eu, a Teresa e o Clalence. Fomos até uma escola, mais para dentro da estrada, isto é, mais para o centro da ilha onde supostamente é mais ... rural! (Dizem que as casas são mais baratas nessa zona).
Enquanto pedalávamos, choveu bué embora se mantivesse um calor bom.
O Katib, coordenador do projeto, estava na entrada da rua que ia dar à escola, à nossa espera. (estrada esta que não é estrada, é só mais um caminho!).
Molhada mas muito bem, chegamos à porta da escola. Duas mulheres estavam também a chegar e abriram-nos o portão que estava fechado com um cadeado. kibigija Skuli (escola)
Kibigija o nome da escola e também da localidade (mais uma pequena comunidade da Vila de Jambiani).
Entramos para a escola os 4, mais as mulheres que iam chegando, algumas delas com bebés nas costas enrolados nos seus panos.
Imagina uma escola de um filme de África! Aquela não era das piores que já tinha estado, tinha mesas e cadeiras pequenas, um quadro num estado razoável...!
Mais mulheres iam chegando e nunca mais acabavam. Eram muitas! Velhas, novas, muito novas...! Mulheres “de livro, de filmes”. Bem vestidas e tapadas, com os seus tecidos e panos em volta. Rugas, brincos, Pinturas na pele, outras sem…! Nas mais velhas, aquele olho cor de cegueira (meio cinza). Iam chegando!
Teresa sentou-se de costas para todas na sala, numa de, ”eu estou aqui por ti mas não me meto”! Clalence (responsável local do projeto) e Katib (coordenador) iam conversando com o grupo.
Eu observava todas as movimentações, assim como elas me observavam e tiravam todas as medidas! Todas!
Perguntei ao Katib pelo “chairman” da vila (líder), ao que ele responde – ele não vem agora! Este é um grupo de mulheres que já se encontra normalmente. Nós vimos aqui apresentar as tuas propostas de atividades se elas concordarem e quiserem aí sim, vamos ter com ele!
Elas continuavam a chegar…
O Katib mandou-me ir à porta da escola ver se chegavam mais, para podermos começar. Enquanto caminho para a entrada da escola, passo por mais umas quantas, mais velhas, tipo as matriarcas. Não te sei explicar o que comecei a sentir ali! Entre o meu corpo molhado da chuva, do sol e calor que fazia, das mulheres africanas, embrulhadas em panos a caminhar na minha direção e a observarem-me (sempre simpáticas e a cumprimentar). Estava o vento quente que me tocava o pescoço e a cara..., sentia-me com medo, com ansiedade, com responsabilidade! Peso! Uma mistura de realidade com algo que não consegues perceber. O que vai dizer o teu corpo, ou a tua mente..., de repente estás “num caminho” que é, ali … o agora e tens que te safar! Tens mulheres, bebés e matriarcas. Uma tribo, uma cultura, um povo! Foram ali para te ver, ouvir, avaliar, te aceitar! Ou não! E estás ali! E nunca pensaste estar! E sabes que foste tu que provocaste aquilo.
Elas não paravam de chegar ao portão da escola. Voava ao meu lado uma borboleta pequena, amarela (a minha cor favorita). Até me questionei por momentos se aquilo que me estava a acontecer era real. Mas era!
Cheguei ao portão, espreitei e vinham mais umas 4 no fundo do caminho. Voltei para dentro disse ao Katib que entretanto começávamos.
Estavam todas as mulheres já sentadas na sala, (foram chegando sempre mais até ao final) eu continuava a ser observada e a Teresa de costas para elas, mas “em meu apoio”.
Puxei a minha cadeira e sentei-me de frente para o grupo e de costas para o Katib e Clalence. Estes estavam na zona da “secretária da professora e quadro”. Tinha que me mandar às balas. Foi o que pensei! Ana Lages, estás aqui, vais encarar de frente e assim foi! Katib pega nos meus papéis, começou a explicar-lhes as minhas atividades e objetivos, quem eu era…
Cada vez mais observada, e elas sem grande expressão, comecei a pensar, “que estupidez que fui fazer”! Elas não querem nada com isto! As mais velhas olhavam-me tipo... Tu! Nem sei descrever tudo que me ia dentro.
Questionei-me e pensei que poderia estar a fazer o ridículo e a expor o Katib aquilo.
As mais velhas tinham um ar de muito sábio sabes... Sábias! Das que vês nas fotografias de África. Velhinhas enrugadas, de panos na cabeça e sempre com um ar pensante!
Entretanto foi feita a pergunta final - o que acham disto?! O silêncio ficou na sala. E aí paniquei! Foi ai que, borrei! E disse para mim - OK! Tu não tens mesmo noção...!
Um dos bebés que estava ao colo de uma mulher mais velha começou a ficar irrequieto e a chorar. A mulher saiu da sala com o bebé para não perturbar. As restantes estavam em silêncio!
Até que perguntei se ele tinha explicado bem os objetivos da atividade, uma vez que elas não estavam a responder. Ele disse que sim! Nisto, uma das mais velhas começou a falar e logo em seguida, começaram todas! O meu estado começou a acalmar!
Olhava para a senhora que estava com o bebé na janela da sala para ouvir o grupo, e para acalmar o pequeno e pensava, que isto acabe rápido! Ok?! Eu não me volto a meter na cultura desta gente!
Nisto, o Katib pergunta-me se eu tenho mais alguma coisa a dizer, assim como à Teresa. Ela abana a cabeça (não), e eu só digo - se houver algum tema ou necessidade que elas tenham que queiram sugerir, estejam à vontade, estou aqui para o que precisarem.
A “discussão” continuou no grupo de mulheres. Olhei para o Clalence e pedi para ele ir lá fora, perguntar à senhora se quer que eu fique com o bebé e ela vem para junto do grupo. Assim foi! Só me disse. - Boa atitude!
A senhora aceitou!
Saí de cena! Fui para fora, peguei no bebé, e ali estive! (estava também uma criança a brincar no chão). Ia indo à porta da sala, embora elas me vissem da janela, pois não tinha nada. O bebé começou acalmar. Era giro! Já me sentia com forças para enfrentar as “feras”. Com o bebé ao colo, fui para junto do Katib, em frente ao grupo. O bebé adormeceu no meu colo... A discussão continuava, percebi que falam em dias e horas.
Fui junto da senhora para devolver o bebé, enquanto dormia. Ele acorda mal eu o coloco no colo dela e chora! Ela rapidamente me devolve. Volto a colocá-lo no meu colo, ele parou de chorar no momento. O silêncio fez-se. Eu corei, fiquei de várias cores! O bebé volta a acalmar... Enrosca-se! E volta a dormir! Uma cena!!!
Nisto, começam todas a sorrir para mim e a dizer algumas coisas. O Katib transmite - sabes o que elas estão a dizer? (claro que nem puto de ideia) - Que tu és uma "mãe escolhida"! Uma cena assim…! Estava tão stressada com a cena, e ainda mais observada que nem ouvi metade do que ele me explicava! Ali fiquei com o bebé ao colo, até ao fim!
Percebi que discutiam que devia ser 2x por semana. Queriam começar pela massagem para bebés e que íamos definindo ao longo do tempo, como avançávamos para os restantes temas. Ficou 5as e sábados pelas 16:30.
Elas terminaram a reunião! Tinham que ir para o Kuza Cave, porque tinham uma atividade de mulheres. Kuza Cave Cultural Centre é um espaço cultural mais acima da escola, em que elas se encontram todos os domingos e fazem, “coisas culturais” para vender.
Terminamos a “cena”. Todas saíram, era agora tempo de ir ter com o Líder
Na saída, Clalence diz-me - Junta também na tua agenda, a 6a feira que é o dia em que estou com os miúdos a fazer atividades. Estás comigo e com o meu grupo, no final fazemos com os miúdos o que tu sugerires. Agendado! (Move zanzibar é o nome do projeto. Acrobacias, movimento, atividade,… super giro).
Assim....
Fomos à pequena vila de Kibigija. O Líder só falou com o Katib, nem me olhou. (Era um homem estranhamente normal!)
No caminho, passamos no “espaço do Clalence”. Que é um local aberto, junto à praia, em cima da praia! Imagina um espaço aberto no pinhal, em que tens a vista deste mar. Cheio de bosta de vaca, mas é ali! Ao sairmos de lá, a Teresa bate com o pé numa rocha e vai para casa, começou a sangrar, tava aflita com as dores!
Continuei sozinha com os homens. (a vila é bastante pobre e quase que arrisco a dizer, mais pobre que a zona onde estou. E olha que é difícil). Fomos então ver o espaço que o Líder nos ia ceder para as atividades com as mulheres.
Aqui está!
Tem teto e chão! É ótimo! E porta! (Acredita que é “alta” casa para a zona. Aquela é a minha bina. É nesta casa que os homens, juntos do líder, se juntam para falar de assuntos da comunidade, é tipo a junta de freguesia).
Saímos dali, o Katib tinha que voltar! Queria ir ao Kuza cave, falar com a dona que é sua amiga, aproveitar já que estava ali. (katib é de Stone Town).
Como estava curiosa com a cena que estariam as mulheres lá a fazer, também fui! Fomos os 3. Ao chegar lá estavam todas, a fazer sabão Natural… no chão! Mais uma cena que nunca vou esquecer!
Fui muito bem recebida por todos que ali estavam! (Já tinha visto aquele espaço no facebook, quando ainda estava em Portugal, sem explorar, percebi que era um sitio cultural e alternativo).
O Clalence questiona - “já foste ver/nadar nas caves? (grutas). Eu fiquei tipo.... quê?! Ele insiste... - Sim! Já foste? - Não! Nunca estive aqui! (na cabeça dele eu já tinha estado ali)
Tinha um macaquinho lá.. Estava agarrado à arvore. Pedi para lhe ir mexer...! Disse a dona que, eles eram 2, tinham sido rejeitados pelo grupo, foram lá parar. Elas cuidam dele! (aqui os macacos são protegidos. Para chegar a Jambiani, passas a Jozani Florest, não podes tirar fotos e tens que parar, abrandar o carro, e ir devagar)
Lá Fui! Fazer festas, e socializar com ele..! Uma cena! Nunca tinha estado assim. Quando parei, para olhar para o lado, ele já estava em cima de mim a pedir mais festas...!
Nisto, volta o Clalence.
– “Anda cá... Vamos por aqui”. Fui parar às caves! Era mesmo por baixo donde estávamos!
Não sei se te consigo explicar tudo o que senti, mais uma vez.
Não aguentei, e fui nadar...! Nunca, nunca, nunca me vou esquecer de tudo o que vivi até aquele momento.
Foi... Indescritível! Aquilo foi lindo! Forte! Sentia-me como... Purificada!
Que, tudo me fez sentido! Que era real tudo o que estava viver, e não conseguia acreditar!
Voltamos para cima... molhada, vesti a roupa. Mas, tão bem que estava!
Voltei para junto das pessoas, do grupo de mulheres e crianças, do macaco!
Só me apetecia sorrir, sentir o vento quente e o cheiro que ali se fazia! Observar tudo o que tinha em volta, e gravar na minha cabeça aquele momento para sempre!
O que aconteceu em seguida foi que... uma das mulheres do grupo estica os braços e volta a colocar-me o bebé nos braços...! Como posso explicar?! Mais uma vez, não sei se consigo, mas... senti-me uma delas! Sabes?! Fui aceite e acolhida no grupo!
E ali andei com o bebé ao colo, a sentir o vento, o cheiro e a observar tudo em paz! Feliz! Agradecida! Com um sentimento que nunca vou conseguir descrever, nunca!
Acabou a manhã, era hora de regressar. Saí dali a pedalar, ainda molhada, e indescritivelmente bem!
Quero mostrar-vos uma última foto:
Qailan, assim se chama o bebé!
Esta foto foi tirada ainda na sala, quando ele voltou para o meu colo depois de chorar quando regressou ao colo da senhora. Aqui, estava de frente, para todas as mulheres! Aquelas que se tornaram as minhas mulheres! Juntas, aprendemos tanto!!
(espontaneamente o Katib, pediu-me para tirar!)
Naquele dia fui aceite, aprovada, e acolhida no grupo e na comunidade! Assim, começaram as atividades. Aprendemos a massagem para as cólicas, e a desenvolver uma almofada de amamentação. Algumas formas de posicionamento durante a gravidez, entre outras coisas..! E assim, nasceu a Jambi! :)
コメント